A sociedade do espetáculo
Se falar sobre a minha geração, dizendo que ela isto ou ela aquilo, é apenas porque esta é a geração que tenho, e muito esforço fizesse continuaria sendo esta e não aquela, isto é um facto indesmentível.
Eu suspeito que a minha geração tem uma certa comichão, pior que a sarna. É como uma impressão que fica na garganta algumas semanas depois de uma valente faringite, uma cena impune, ignorante de mebocaínas. Sentimos isto, e ainda não somos velhos o suficiente para descobrir a metáfora correta: a nossa comichão é como a imagem baça por detrás de um olho com a maleita das cataratas.
Assenta sobre nós uma poeira fina que dificulta entender o que quer que seja. Estamos ansiosos porque tudo é rápido, mas ficamos ansiosos quando tudo é lento. Queremos casar e ter filhos e casas baratas, como os nossos pais, mas ficamos no tiktok a ver ralar cenas, velhotas a cair, crianças palestinas empilhadas em sarcófagos de morte.
Mas voltemos à poesia, que isto não é o p3.
É possível que esta ansiedade venha, não da geração, mas da idade. E é impossível saber se sim ou se não, devido ao defeito da memória: quem de outra geração, já não nesta idade; quem desta idade, necessariamente nesta geração. O espaço que se habita na cronologia é uma casota modesta na qual nos abrigamos do vento do futuro (eis poesia, como prometido).
Agora as comunidades estão no instagram. Já não está ninguém na rua. Mas talvez os nossos pais estivessem na rua e nos cafés, a rodar jornais e jolas, só porque não tinham a grande diversão do instagram. Que grandes secas devem ter apanhado, no meio do bafo de tanta malta, amiúde idiotas. Aqui no nosso cantinho, debaixo do lençol, o tiktok está curado para nos curar. Pagamos em dados e tempo, moedas que, nesta geração e nesta idade, parecem não findar.
A infinitude da informação gera grandes desalentos, justa proporcionalidade. Há livestreams da guerra da Ucrânia e da Palestina que servem só para nos explicar como é uma merda o mundo. Antes a mesma merda vinha mais devagar, polida pela pena dos jornais, e tínhamos tempo para tragar melhor. Os jornais de hoje são só livestreams travestidas.
Mas a sociedade é mesmo um espetáculo que consome todo o espetáculo, dizia o outro, então a própria demonstração do espetáculo crescentemente cai no desespero de ver-se transformada no objeto da sua própria crítica. Transforma-se o odiador na coisa odiada.
Toda a inovação é técnica, e toda a técnica é comércio. A única valência de utilidade está no aprofundamento dos já referidos, e muito perversos, mecanismos da violência simbólica. A poesia, a arte e a crítica são bolhinhas sopradas ao ar que logo morrem ao beijar o chão. Olham-nos com desdém. Lá vai mais um lírico, vede como chora.